Durante toda a semana choveram ameaças de intempérie. A ânsia corrosiva da contagem decrescente tinha sido inexplicavelmente abafada pela racionalidade de um coração de fã saciado e experiente. Saímos, pela primeira vez, tarde e chegámos sem nos perdermos. O dia acabou por contrariar as mais cientificas previsões. Como a cada passagem da banda, o tempo e o Oceano fizeram questão de se pôr bonitos, na melhor tradição portuguesa de bem receber quem gostamos.
As expectativas confirmaram-se, o cenário era diferente, pintado com as cores do capitalismo que ofuscavam a cortina de cena de um Tejo-mar magnifico a servir de almofada a um Sol envergonhado e cansado de final de tarde. Depois das diligências necessárias e de um jantar servido à pressa num "Manneken-Pis" mal passado, lá rumámos ao recinto.
Seguiu-se uma revista capaz de encontrar qualquer mini-petardo escondido e por fim lá entrámos ao som dos espaciais Blasted Mechanism. Da viagem de reconhecimento ficou-me a sensação de feira popular, o aroma a haxixe estava diluído no cheiro característico das farturas, as pizzas das multinacionais estavam lado a lado com os psicológicos e familiares cachorros. O palco dois, palco Sagres Mini (baptizado a meu ver por ser uma minúscula tenda que não matava a sede) estava bem composto, ao som de alguém menos conhecido que um qualquer jogador do Aves. Máquinas electrónicas, matraquilhos, lojas de roupa, barracas de promoção, havia de tudo... Cedo se percebeu que existia bem mais para além da música.
As casas de banho brindavam-nos com tronos de porcelana, o recinto (apesar da quantidade exagerada de pedras que estavam ali mesmo a pedi-las) era perfeito. O merchandising das bandas chamou-me a atenção... após um incursão acidental na candonga, muni-me da t-shirt oficial e senti-me preparado para a acção.
Ao palco subiram os Linkin Park, a legião de fãs de palmo e meio correu para o palco e vibrou com um inicio ao som de um qualquer hit da banda. Ainda pensei ficar, à distância, a presenciar o fenómeno mas, quando percebi a ausência de som nas guitarras, o aparecimento de um pianinho e uma balada-solo cantada com uma voz esganiçada resolvi fugir para bem longe. Algumas cervejas depois (sabiam que em Lisboa não existem funcionários de restauração minimamente simpáticos?), pagas principescamente voltei e esperei pacientemente, enquanto ia ganhando terreno na multidão, o concerto da noite. À hora marcada os senhores que brincam à música lá se foram embora. "Epá tenho que me ir embora que os meus pais já tão à minha espera" -diziam as borbulhas de um adolescente com o cabelo sobre os olhos. O recinto começava a encher, ainda entravam milhares de pessoas, a substituição etária era notória.
Com uma pontualidade inesperada, surgiram os primeiros acordes do main event. Entretanto e talvez pelas cervejas bebidas, um ida ao WC já me tinha deixado à deriva no meio da multidão... já que estava perdido de toda a gente, resolvi tentar o golpe. Com uma lata invulgar, lá fui andando, até que um segurança me barrou a passagem. De lado para o palco, mas dentro das barreiras, separavam-me da banda uns míseros dois metros... nada podia correr mal, da arquibancada senti as primeiras vibrações de um concerto que começava em jeito de best of. Cedo percebi que os dias de praia e surf em Portugal tinham acabado com a voz do Ed, os hits foram-se multiplicando com solos instrumentais alongados regados a vinho e fumados em intervalos improvisados em jeito terapêutico. A comunicação e empatia com o público foram as de sempre, mas notava-se que nem todos percebiam o que significava aquele momento. "Toca aquela", "queres ver que não tocam o Black" - diziam as miúdas encrostadas na grade. Percebi pela duração do main set que o concerto ia ser mais pequeno que o habitual, ao jeito de um Festival. Conformei-me, resolvi desistir das novidades, das músicas raras, do "Porch", de um stage diving improvisado, e libertei-me nos clássicos, cantei a plenos pulmões, e apesar do olhar estupefacto de alguns dos que me rodeavam , "olha este sabe-as todos", tive aquilo que precisava. E pronto lá tocaram a Black e só então senti aquele arrepio que uma terapia colectiva de música e ambiente pode causar. Ao som de Rocking in the free World o concerto aproximava-se do fim, o Ed lembrou-se de deambular por perto do público, com o habitual par de pandeiretas na mão, correu por entre uns atrapalhados seguranças agradecendo à multidão. Dirigiu-se para a zona onde estava e voou num abraço colectivo em direcção ao público... inesquecível (ainda não tomei banho desde então). Por fim e para acabar em beleza esticou a mão e entregou a pandeireta como recordação ao #%$%# do puto que tava ao meu lado. E eu que sou um fã tão dedicado... enfim...
No final ficará na memória um bom concerto, não o melhor em Portugal, bem mais curto e menos mágico que alguns anteriores, mas, ainda assim com momentos que ficarão para sempre no imaginário de todos os presentes. Eu continuo a adorar a banda e a odiar festivais. As tribos, os cheiros, as idades e a música não se misturam. Viva o Rock.